No 52º Painel, o relator Jorge Bittar (PT-RJ) dá verdadeira aula magna sobre o PL-29

A sigla PL-29 significa literalmente Projeto de Lei nº 29. Originário de 2007 através do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), um dentre quatro projetos iniciais, o projeto trata basicamente da produção e da distribuição do conteúdo audiovisual. Em pauta no PL-29, quem pode ou não produzir e distribuir conteúdo audiovisual e sob que condições. Aqui, o essencial do projeto, detalhado pelo relator Jorge Bittar (PT-RJ), em palestra durante o 52º Painel TELEBRASIL, na Costa do Sauípe.

O PL-29, aprovado sob forma de substitutivo, em 21 de novembro do ano passado, na Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados, tramita na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI). Estava pronto para ser votado por ocasião da realização do 52º Painel. O relator do projeto, deputado Jorge Bittar (PT-RJ), já trabalhou na Embratel, do Sistema Telebrás, como engenheiro, e foi líder sindical de sua categoria.

O 52º Painel, tradicional evento promovido pela TELEBRASIL – Associação Brasileira de Telecomunicações, reuniu altas lideranças dos setores privados e estatal das comunicações, de 4 a 8 de junho, na Costa do Sauípe (BA), com o tema “Conteúdos Multimídia e Serviços Digitais para o Brasil Digital”. Na qualidade de fórum, o 52º Painel teve em destaque o Projeto de Lei nº 29. O atual substitutivo do PL-29 teve seu escopo inicial ampliado, incluindo, além da televisão por assinatura, o conteúdo audiovisual. Não terá sido desta vez que o fosso regulatório entre telecomunicações e radiodifusão foi suplantado por uma Lei Geral de Comunicações.

Os três ambientes do modelo PL-29

O PL-29 se baseia num modelo de Comunicação Social Eletrônica com três ambientes – radiodifusão, telecomunicações e indústria do audiovisual – e quatro atividades – produção, programação e empacotamento e distribuição de conteúdo. Pelo PL-29, a radiodifusão pode fazer as quatros atividades; a indústria do audiovisual, três (produz, programa e empacota); e a de telecomunicações, uma (distribui conteúdo com serviços de acesso condicionado). Surge a figura do “serviço de acesso condicionado”, que é o novo nome, no PL-29, do serviço pago de TV por assinatura. É condicionado por pressupor algum tipo de pagamento.

Do ponto de vista conceitual, as premissas do PL-29 incluem: neutralidade tecnológica (distintas tecnologias de rede produzindo o mesmo resultado final); regulação por camadas (diversas camadas superpostas e compatíveis); “desverticalização” da cadeia produtiva (mais atores ingressando no modelo); estímulo máximo à competição no audiovisual e nas telecomunicações (queda nos preços); e fomento à produção para ampliar o mercado, estimulando o conteúdo nacional e a exportação. Se os serviços de telecomunicações crescem no mundo, também cresce o mercado mundial do audiovisual (US$ 450 bilhões), no qual o Brasil quer se inserir como ator significativo.

Historicamente, foi a tecnologia que pautou o marco legal vigente. A radiodifusão, mantendo uma estabilidade jurídica próxima do milagre, ainda consegue ser regida pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, de João Goulart, e que daqui há quatro anos completará meio século. A televisão a cabo nasce com Lei do Cabo, de 1995, antecessora da LGT – Lei Geral das Telecomunicações –, de 1997. Ambas promulgadas por Fernando Henrique Cardoso, em tempos de globalização. O MMDS e o DTH – siglas complicadas para explicar a distribuição de sinais de televisão por microondas terrestres e por satélites – são soluções adaptativas feitas por portarias do Minicom, igualmente de 1997.

A TV a cabo (concessão em 80 cidades) é regida pela Lei 8.977 (Lei do Cabo), que estabelece condições para prestação do serviço diferentes dos demais serviços de TV por assinatura. A principal diferença é que, pelo menos, 51% do capital social devem pertencer a empresas controladas por brasileiros natos ou naturalizados, há mais de 10 anos. O serviço existente de distribuição TVA – da década de 80 e que tem freqüências atribuídas – poderá ser um embrião legal para a televisão por assinatura móvel para o celular.

O substitutivo PL-29 propõe a revogação legal da Lei do Cabo e de sua referência na LGT e a alteração dos contratos de concessão do STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado). As teles passarão a praticar o triple play (áudio, vídeo, dados). Pela alquimia do PL-29, seriam transformados os serviços de televisão por assinatura e de televisão a cabo – objeto de concessão – e o MMDS e o DTH – objeto de autorização – em “serviço de acesso condicionado”, a ser visto como um serviço de telecomunicações, prestado em regime privado e objeto apenas de autorização. Será uma licença única e simplificada.

Em outras palavras, a radiodifusão fica soberanamente de fora do PL-29, continuando com suas prerrogativas intactas (produz, programa, empacota e distribui pelo ar); os serviços de televisão paga (TV por cabo, MMDS, DTH, TV assinatura) são substituídos pelo serviço de acesso condicionado (só distribui); e o PL-29 integra a indústria do audiovisual (produz, programa e empacota).

As quatro atividades do PL-29

São atividades contempladas no PL-29: produzir, programar, empacotar e distribuir conteúdo, formando uma cadeia de valor. Produzir tem como fruto um conteúdo audiovisual. Programar reúne vários conteúdos produzidos, visando formar um canal de programação. Empacotar reúne vários canais de programação, obtendo o chamado pacote de programação que é oferecido ao distribuidor que o faz chegar ao usuário.

Pelo PL-29, turbinado por um substitutivo, as atividades – produzir, programar e empacotar – cabem à Ancine – Agência Nacional do Cinema –, órgão criado em 2001 e vinculada desde 2003 ao Ministério da Cultura. A atividade “distribuir” (transporte e provimento) é regida pela Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações.

Hoje, pela Lei do Cabo, as empresas de televisão por assinatura precisam estar sob controle de brasileiros. Como o PL-29 revoga a Lei do Cabo, as regras sobre o capital estrangeiro mudam. Ele fica liberado nas telecomunicações e sofre restrições na produção e na programação do audiovisual. Não há impedimento, porém, ao capital estrangeiro para realizar produção audiovisual no Brasil, com 100% do capital de fora. A obra produzida nessas condições, no entanto, não fará jus à denominação de “audiovisual brasileiro”, para efeito de um sistema de cotas estabelecido pelo PL-29.

Quanto ao capital brasileiro, ele deve ser no mínimo de 70% na produção e na programação do “audiovisual brasileiro”. No empacotamento e na distribuição, a origem do capital é liberada. Quanto à restrição da propriedade, as telecomunicações só podem participar com até 30% nas atividades de produção e na programação, para dirimir temores dos produtores de audiovisual; e a radiodifusão só pode participar com até 50% na distribuição, que é apanágio das empresas de telecomunicações. O PL-29 não vai se aplicar à radiodifusão, salvo o limite de 30% para as empresas de telecomunicações.

Sistema de cotas para o audiovisual brasileiro

O audiovisual é um bem de duas faces: comercial e cultural. Comercialmente, o custo marginal de sua reprodução é pequeno. Isto favorece os grandes produtores de audiovisual no mundo. Quanto mais disseminada, variada, longa e com bastante complementos de aspectos de marca e de imagem for um produto audiovisual, maior resultado comercial ele alcançará. A indústria fonográfica, videográfica e cinematográfica de massa, movimentando bilhões de dólares no mundo e objeto de oligopólios, comprovam o fato. O aspecto cultural vem junto.

O PL-29 institui um sistema de cotas obrigatórias – um dos pontos que despertou profundas reações ao projeto – para proteger e incentivar o audiovisual produzido por capitais nacionais, pressupostamente produzindo cultura com valores brasileiros.

O sistema de cotas vai mexer com as atividades de programação (de um canal) e de empacotamento (de vários programas). Na programação com espaço qualificado – filmes, infantis, documentários, variedades –, 10% da programação do horário nobre (picos de audiência) deverão ser de audiovisual nacional (levando à 3h30min. semanais), dos quais metade produzida por produtores locais independentes. A medida não se aplica a canais étnicos (RAI, TV5, BBC, CNN). A rationalia por trás da medida: “aumentar a produção de obras audiovisuais brasileiras”.

Na atividade de empacotamento, pelo PL-29 são três as cotas obrigatórias: um mínimo de 25% de canais nacionais nos pacotes; 1/3 dos canais nacionais deve ser de produtores independentes (eles atualmente se sentem preteridos); e deve se veicular conteúdo brasileiro em espaço qualificado. A rationalia por trás das medidas: “pluralidade na criação de conteúdo brasileiro, independente”.

Quanto aos canais públicos, eles terão a obrigação de serem carreados gratuitamente. Os comerciais digitais serão opcionais e pactuados. O sistema de cotas será progressivo e escalonado ao longo de quatro anos, com duração de 15 anos. Haverá flexibilidade para grandes (40 programas) e para pequenos pacotes (10 programas).

Para fomentar a produção do audiovisual, prevê o PL-29 a transferência de 10% do Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações) para o Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional), acrescendo ao Fundo Nacional da Cultura (Lei nº.8.313/91 ou Lei Rouanet) no Fundo Setorial de Audiovisual da Ancine. Tratam-se de recursos da ordem de R$ 300 milhões ao ano (o Fistel arrecada do setor de telecomunicações R$ 3 bilhões/ano), dos quais 30% serão para fomento do audiovisual, fora das regiões Sul e Sudeste.

O Projeto de Lei nº 29 contempla ainda outras disposições, como a eliminação da restrição, que, hoje, impede a prestação de televisão por cabo por concessionárias do STFC – Serviço Telefônico Fixo Comutado – e por operadoras de capital estrangeiro.

As polêmicas levantadas pelo PL-29

Em sua palestra durante o 52º Painel, o deputado Jorge Bittar rebateu as críticas dirigidas ao projeto. Apresentou o estudo da ABPTA/Sky. A ABPTA é a Associação Brasileira de Programadores de Televisão por Assinatura, braço da TAP – Television Association of Programmers – que representa mais de 30 programadores norte-americanos na América Latina. A Sky é a associação da Globopar brasileira e do grupo internacional de origem norte-americana DirectTV. Concluiu o referido estudo que “cotas vão encarecer o custo do serviço” e que “foram ruins nos países onde receberam sua aplicação”.

Rebateu Bittar que o estudo ABPTA/Sky não levou em conta que o programador pode adquirir obras existentes, não pagando pelo preço total da produção e podendo veiculá-las em várias janelas e em vários canais, baixando, assim, o custo unitário de sua veiculação. Na União Européia, a política de cotas, criada em 1987 no “TV sem fronteiras”, foi preservada na revisão de 2007 do “Serviço de Mídia Audiovisual”, em que metade do conteúdo tem que ser europeu. Na Austrália e no Canadá, onde as cotas são maiores que as previstas no PL-29, cresceu o número de assinantes, o que não aconteceu nos EUA.

Outras polêmicas trazidas pelo PL-29 e citadas por Bittar: vai crescer o poder da Ancine; aumentar a tributação; se institucionalizará a figura do empacotador, que nada mais é do que um mero intermediário; legislará sobre radiodifusão; e a solução para o conteúdo nacional deverá ser só o seu fomento.

Contrapôs o relator: o poder regulatório da Ancine se restringe ao serviço de acesso condicionado; não se cria novo tributo (apenas se transfere parte do Fistel); o empacotador, uma figura conceitual, pode ser o próprio distribuidor. A referência à radiodifusão é só quanto à restrição cruzada de capital entre radiodifusores e telecomunicações. Já em relação ao conteúdo nacional, ele será avançado não só via fomento mas também pelo regime de cotas, liberdade de mercado com neutralidade tecnológica e pela ação regulatória sobre mercados relevantes.

Conclusões da PL-29 para um mundo melhor

Concluiu o relator Jorge Bittar que o PL-29 traz “um novo diploma convergente e neutro válido para todas as formas da televisão paga, com acesso ao conteúdo nacional para os distribuidores e com estímulo à competição (telecomunicações e televisão por cabo) no mercado da distribuição”. O PL-29 visa aumentar a produção nacional do audiovisual e de seus corolários, como a geração de renda e de empregos no País, e a inserção de produtos “Fabricado no Brasil” no mercado internacional.

O que pretende o PL-29 é a diminuição do custo do serviço do audiovisual – hoje, reconhecidamente caro e monopolizado e restrito às classes urbanas mais abastadas –, redundando na democratização do acesso à informação. Em termos práticos, prevê o aumento dos atuais 5,5 milhões de assinantes da TV por assinatura (presente em apenas 8% dos domicílios brasileiros) para 20 a 30 milhões, com a entrada de novos players e ofertas.

Durante os debates do 52º Painel, foi esclarecido que não há qualquer restrição de capital ou na atividade de empacotamento. O PL-29 tanto vale na comercialização de pacotes (prática usual no mercado) quanto para conteúdos avulsos. O PL-29 não será cindido em dois – conteúdo e distribuição –, o que seria partir do zero novamente, mas, sim, “aperfeiçoado” no Senado Federal na questão de cotas. O PL-29 foi estruturado em torno do audiovisual e da definição de um serviço por serem estas as formas mais convenientes para se definir uma lei.

Ficou evidenciado nos debates que o nó do PL-29 é a questão das cotas, em especial dos chamados canais incentivados. Seria falso o discurso que as cotas redundaria em pior qualidade do audiovisual sendo atualmente oferecido. Foi dito por um executivo do ramo que a qualidade da TV por assinatura depende do poder de compra da população. Alguém tem que pagar pelo bom conteúdo. A qualidade da produção da TV aberta brasileira, tal como a da propaganda, é boa internacionalmente. Ela tem penetração espontânea em países da América Latina, como Chile e Venezuela. Hoje, na TV a cabo, 70 a 75% da audiência se concentram em canais abertos que nela transitam. O que se discute é como, hoje, ocorre a comercialização de pacotes na televisão brasileira de maneira dominada pelo poder de mercado, de “quem pode dá o tom”.

O PL-29 poderia ser menos detalhista, mas isso é uma característica própria do legislador brasileiro, algo que se vê refletido na própria Constituição. O mercado prefere as coisas definidas em lei para evitar as “canetadas” da burocracia. O ideal seria eliminar o fosso regulatório entre telecomunicações e radiodifusão, com uma legislação convergente. Mas isso deverá ficar para uma outra vez.

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